Decorreu ontem à noite (31 de março), no Auditório do Centro Autárquico de Quarteira, completamente lotado, a Assembleia de Freguesia Extraordinária para apresentação do Relatório da Auditoria ao último mandato da gestão PSD em Quarteira, encomendada pelo atual executivo PS.
Reportagem de: Jorge Matos Dias / PlanetAlgarve
A Auditoria foi encomendada à Alltrain, empresa experiente na área das Auditorias e presta consultoria a várias Juntas de Freguesia no Algarve. Na sua Auditoria ao último mandato PSD, detetou um total de 47 situações de incumprimento, entre as quais se destaca: Horas Extra, Refeições e Empreitadas com valores até 10 vezes superiores ao preço de mercado. Nesta reunião magna da freguesia, foi feita apenas uma apresentação resumida para demonstrar conclusões da gestão dos dinheiros públicos. Segundo o presidente da Assembleia de Freguesia, Carlos Carmo, o relatório seria apresentado “sem serem abordados nomes de pessoas ou de empresas para evitar julgamentos precipitados na praça pública”.
O resumo do Relatório foi apresentado por David Pimentel, vogal do executivo da Junta de Freguesia de Quarteira.
Relatório da Auditoria ao último mandato da gestão PSD na Junta de Freguesia de Quarteira (outubro de 2009 a setembro de 2013)
Objetivo: Rever os procedimentos para assegurar transparência e conformidade com a lei; Reorganização dos serviços da JFQ de acordo com as exigências legais e normas aplicáveis.
Foram analisadas as áreas ao nível dos procedimentos internos: Recursos Humanos, Administrativa e Contabilística/Financeira; Execução Orçamental; Contratação e Fiscalização de Empreitadas.
Recursos Humanos | 10 situações de incumprimento detetadas
Destacam-se a título de exemplo:
– Existência de pelo menos um contrato de trabalho alterado sem que fosse feita a publicação no Diário da República exigida por Lei. Segundo David Pimentel, “desde 1 de Janeiro de 2009 que os contratos estavam com a situação juridico-funcional incorreta”, pelo que “deveria ter havido alteração e publicação em Diário da República”.
– Ilegalidades constantes no pagamento de horas extraordinárias: horas pagas excedem os limites legais; 109.541€ (97%) das horas carecem de autorização; as horas autorizadas não foram justificadas.
– Atribuição de abonos para falhas a quem os não podia receber. David Pimentel esclareceu que estes abonos foram atribuídos a 5 colaboradores, violando sistematicamente o despacho 15409/2009.
Área Administrativa | 12 Situações de incumprimento detetadas
Destacam-se a título de exemplo:
– Repartição de funções sem autorização do órgão executivo.
– Atuação repetida com conflito de interesses por parte de um membro da Junta. Foi esclarecido que a mesma pessoa assinava os Cheque da JFQ e do outro lado assinava os Recibos de uma IPSS.
– Incumprimento sistemático do Código dos Contratos Públicos. Os presentes foram esclarecidos que as empreitadas eram feitas sem convites, sem propostas e sem fiscalização, apenas existindo faturas dos serviços prestados.
Foi dado o exemplo de empresas com faturação à junta superior a 250.000€ nos 4 anos sempre por ajuste direto, quando a lei o impede;
Foi ainda dado outro exemplo, de um empresário em nome individual que faturou 253.000€ em 4 anos quando o máximo era de 75.000€ em cada 3 anos.
– Existência de contrato de empreitada com datas e valores díspares dos orçamentos. Neste ponto, foi dada nota da existência de contratos rasurados manualmente; Datas de contrato anteriores a orçamentos; Valor do contrato diferente do orçamento aprovado; Assinaturas do órgão executivo em falta nos contratos.
Principais conclusões
- Isenções de taxas administrativas sem documentação comprovativa da situação financeira do freguês. O Regulamento de Apoio Social foi iniciado apenas em 2014.
- Existência de atas do executivo assinadas em duplicado com conteúdos diferentes.
Área Financeira | 26 situações de incumprimento detetadas, destacam-se a título de exemplo:
- Muitas despesas com refeições ocultas mediante lançamentos em rubricas diversas: apurados gastos de 114.900€ em refeições. 114.900€ em 4 anos, 28.725€ por ano contra 8.942€ em 2014 (Refeições Confeccionadas). Refeições levadas a Outras Despesas, Outros Serviços, Material de Escritório, etc.
- Várias outras despesas classificadas em rubricas orçamentais desadequadas: combustíveis lançados em Trabalho Especializado, TMN em outros bens, Combustíveis em Outros Trabalhos Especializados, Paróquia de Quarteira em Outros…
- Controlo de caixa inexistente. Não eram feitos depósitos diários; Registos de receitas muito depois do momento do recebimento; Montantes em dinheiro na tesouraria/cofre durante vários dias; Montantes depositados diferentes dos valores nos documentos de suporte. Aqui, foi referido que o Regulamento de Fundo de Maneio e de Fluxo de Caixa iniciado apenas no ano 2014.
- Livros de registos de “guias de receita” em falta (numerações salteadas). 50 folhas em cada livro, num total de 237 livros, nos quais se encontram 11.850 recibos em falta. David Pimentel revelou que alguns livros foram encontrados no lixo e outros no armazém.
- Receitas arrecadadas em tesouraria não correspondem ao registo documental das mesmas. Foi dado o exemplo das caravanas, com 1.672€ de receitas em documentos de suporte e apenas 1.212€ lançados contabilisticamente em março de 2012. David Pimentel afirmou que as receitas arrecadadas não correspondiam com os documentos de suporte, “sempre por defeito”, aproveitando para revelar que as Receitas de Caravanas passaram de 16.688€ em 2013 para 22.323€ em 2014. David Pimentel revelou igualmente que os valores da receita da junta tinham aumentado em 2 dígitos no 1.º trimestre de 2015.
- Falta de correspondência de valores entre as ordens de pagamento e os respetivos documentos de suporte e utilização de documentos de suporte em duplicado.
Exemplos:
– Ordem de pagamento n.º 478 de 2011 – 1.250€€ de ordem de pagamento, documento de suporte 975€.
– Ordem de pagamento n.º 906 de 2012 – 237,90€ de valor de ordem de pagamento, documento de suporte de 37,90€.
Total de ordens pagamento analisadas: 42
Somatório dos valores das ordens de pagamento = 5.043,06
Somatório da documentação anexa às ordens = 2.460.55
Diferença = 2.582,51€
Por exemplo, despesas de farmácia com a fatura e cópia da fatura anexadas a uma ordem de pagamento que era 2 vezes superior ao valor da fatura…
Principal conclusão da Alltrain:
A execução orçamental de 2009 a 2013 está contaminada pela falta de rigor e transparência, levando a por em causa todos os seus valores.
Alguns factos que suportam a afirmação:
– Má classificação contabilística segundo as regras do POCAL
– Incorreção de inserção de valores nos lançamentos
– Falta de documentação de suporte
– Inexistência de controlo de Caixa
– Falta de rigor generalizada de execução de contratos
– Inexistência de um plano de gestão de risco de corrupção e infrações conexas
Valor de Despesas em outros
2013 – 119.771€
2014 – 63.565€
2015 – 18.015€ (Orçamento)
Contratação e fiscalização de empreitadas
Foram analisadas as 26 empreitadas de 2009 a 2013. Em diversas empreitadas, a fatura é o único elemento que existe no período em análise. Nas 26 empreitadas, houve SEMPRE elementos em falta.
Destaca-se a título de exemplo:
– Expressões tais como “de acordo com o solicitado superiormente, verifica-se a necessidade de contratar a firma (…) – valor total da fatura 24.043€ (3.000m2 a mais de área. Valor de mercado = 18.043€. Diferença = 6.000€).
– Adjudicação de empreitadas com preços unitários absolutamente desajustados da realidade (5 a 10 vezes superior ao preço de mercado).
– Alargamento de bermas: Preço pago 66.637.50€, cujo custo real seria no máximo de 18.000€.
– Preço de empreitada para a execução de tapete betuminoso com 0,05m de espessura 75,00 €/m2 – preço de mercado 6 ou 7,00 €/m2. Valor Pago = 7.500€; Valor de mercado = 750€. David Pimentel ironizou, sustentando que terá ocorrido um “erro de arredondamento”.
– Preço de empreitada 80,65 €/m2 para tout-venant com 0,20m de espessura, quando o valor de mercado é de 4/5,00 €/m2 (Valor Pago = 8.065€; Valor de mercado = 500€).
Numa obra, foi convidado um empreiteiro diferente do habitual, pela 1.ª vez, e o preço da proposta foi de 35% inferior ao da empresa que habitualmente fez empreitadas com a JFQ (-9.000€). Noutra obra, o preço do empreiteiro convidado pela 2.ª vez foi de 45% abaixo do concorrente habitual (-9.000€).
David Pimentel sublinhou que “muitas obras não se sabe como e onde foram feitas” porque “não há documentos de suporte”, referindo que está a ser “iniciado o levantamento do Inventário” da junta, sustentando que “o que havia era um acumulário”, onde permaneciam equipamentos que entretanto se deterioravam ou deixavam de funcionar, entre outras situações, designadamente, “no Inventário da junta havia combustível quando a junta não tem nenhum depósito”.
Conclusão da Alltrain:
Não foram cumpridas as obrigações legais na organização dos procedimentos concursais de empreitadas de obras públicas, pelo que não foi salvaguardado o interesse público.
David Pimentel sustentou que, no total das 26 empreitadas, o valor pago foi de 568.937€, quando o valor de mercado seria de 468.174€, registando-se, portanto, uma diferença de 100.763€. Ou seja, caso as obras tivessem sido feitas pelos preços de mercado máximos para a altura em questão, ter-se-ia poupado 100.763€.
Com o objetivo de ultrapassar todas estas situações, corrigindo erros cometidos no passado e gerindo os destinos da Junta de Freguesia de Quarteira de acordo com a lei, o atual executivo já procedeu à realização de instrumentos jurídicos, alguns já concluídos e outros a decorrer, a saber:
Ações Desenvolvidas e Plano de Ação Futuro criados pelo atual executivo:
Em 2014
– Regulamento para Apoio Social
– Regulamento de Controlo Interno
– Regulamento de Fluxo de Caixa e de Fundo de Maneio
– Regulamento de Taxas e Licenças
– Regulamento do Cemitério
– Sistematização do Arquivo Documental
– Levantamento do Inventário
– Depósitos Diários
– Controlo de Ponto dos Trabalhadores
Em 2015
– Software integrado Freesoft
– Iniciaram-se ações de formação para a equipa
– Atualização do cadastro do pessoal da JFQ
– Validação de todos os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos
Em curso
– Regulamento interno para viaturas
– Protocolos para regulamentar atribuição de subsídios a instituições.
Após a leitora do resumo do Relatório, foi dada a primeira palavra do debate ao presidente da junta.
Telmo Pinto começou por dizer que “a diferença entre uma câmara e uma junta já não é tão grande como isso”, esclarecendo que, “quando cá chegámos, procurámos perceber como isto funcionava. À medida que fomos trabalhando, fomos confrontados com procedimentos que não estavam corretos. O objetivo aqui não é andar à procura de ‘fantasmas’ mas chegar um dia, olhar para trás e percebermos que fizemos tudo correto”.
Dando a palavra às bancadas, a Bancada do PSD apresentou um Requerimento, solicitando a gravação desta Assembleia num prazo de 48 horas. O presidente da Assembleia, Carlos Carmo, respondeu que disponibilizaria a gravação logo no final da mesma.
Jorge Santos (Bancada do PSD) lamentou “a forma como se entendeu detetar erros para corrigir”, defendendo que esta não seria a melhor forma, trazendo este assunto para a praça pública, questionando: “Alguma vez os visados foram contatados? Isto não é um tribunal. Porque motivo não convidaram os visados para procurar os documentos?”. Jorge Santos questionou ainda quanto tinha custado ao erário público o documento e com que critério foi a Auditoria atribuída à empresa que a realizou. “Estão aqui coisas que são uma autêntica barbaridade”, dando por bem empregue o tempo em que estudou Direito para poder avaliar melhor o relatório, afirmando: “A junta de freguesia não tem competência para isto. Quem fiscalizou o anterior executivo foi o atual sem ter competência para tal. No mínimo, os visados deviam ter sido ouvidos. Isto parece a Jihad Islâmica: é arma apontada e boca calada”.
Carlos Carmo sustentou que a Lei diz que as assembleias de freguesia devem apresentar estes documentos para avaliação, tomada de posição e, caso assim o entender, o executivo da junta poderá enviá-lo para os órgãos competentes.
Para Rosana Durão, da Bancada do PS, “ao contrário da posição do PSD, concordo com esta apresentação e dou os parabéns ao executivo por ela. É a transparência sobre a gestão dos dinheiros públicos. As pessoas têm o direito de saber o que se passou, o que se passa e o que se vai passar com o seu dinheiro”.
Francisca Sousa, da Bancada do PSD; criticou o “amadorismo com que foi feito este Relatório”, apontando uma série de alegados erros e afirmando que diversas situações referidas eram “mentira”, sustentando que o Relatório é “tendencioso e nada imparcial”.
A avaliação do documento prosseguiu com um debate muitas vezes inflamado entre as bancadas do PSD e do PS, com Rosana Durão (Bancada do PS) a afirmar: “Arranjar justificações para fugir ao principal é incrível. Estamos aqui a discutir formatos em vez de conteúdos. Onde estão as coisas que desapareceram? Porque havia documentos no lixo? Isto é grave de mais e tenho uma proposta de recomendação: O PS apresenta a sua indignação pelos erros nos procedimentos e pela falta de rigor na gestão dos dinheiros públicos”, sustentando a “necessidade de remeter o Relatório da Auditoria para a IGF e para o Ministério Público para que se faça justiça e não haja impunidade”. A recomendação foi aprovada por maioria com os votos contra da Bancada do PSD.
Após as intervenções das bancadas, seguiu-se um período de intervenção do público, com as intervenções de Sebastião Rocha, Ana Paula Graça, Hortense Morgado, Rogério Ferreira, Luís Guedes, Emílio Dourado e João Escórcio.
Antes da assembleia ser dada por terminada, o anterior presidente da junta, José Coelho Mendes, pediu a palavra, referindo que “o presidente da junta tinha a 4.ª Classe. O tesoureiro tinha a 4.ª Classe. Quando nos batiam à porta em desespero, reuníamos e procurávamos ajudar”, dizendo que as coisas feitas assim “já vinha de trás. A lei facilitava e a gente facilitava. Gostei de trabalhar na Ação Social. Ajudámos muita gente, muitos toxicodependentes, muita coisa e nada registado em ata. Há discrepâncias mas todas elas podem ser justificadas. Se eu for preso, foi por uma causa justa”.
- Auditório lotado no início da sessão
- Mesa da Assembleia de Freguesia de Quarteira
- Executivo da Junta de Freguesia de Quarteira
- Bancada do PS
- Bancada do PSD
- David Pimentel apresentando o Relatório da Auditoria
- David Pimentel apresentando o Relatório da Auditoria
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