Opinião

País da liberdade de opressão, por Rafu

Rafu

Os EUA têm na sua lei a primeira emenda, que permite que uma pessoa possa dizer tudo o que quiser até que leve com um balázio da segunda emenda.

Tais emendas são ainda mais flagrantes em ambiente escolar, onde se pode falar sobre tudo contando que uma pessoa esqueça que a Palestina existe.

É um país onde a liberdade de expressão é quase irrestrita, ou assim parecia até 2025, quando, através de negociatas com processos e licenças, a CBS cancelou o programa do comediante Stephen Colbert. A justificação foi a falta de audiências de um programa vencedor de Emmys e rankings, sendo que claramente a parte de fazer sempre pouco de Donald Trump, a quem a empresa pagou 16 milhões de dólares num acordo dum processo, nem esteve na equação da decisão nem nada.

Elon Musk dizia que a comédia hoje em dia era ilegal e que queria tornar legal novamente. Ora, tendo em conta o seu portefólio de trafulhices, se a comédia fosse algo ilegal, com certeza Musk ou Trump já a teriam cometido.

Após o assassinato em público do podcaster Charlie Kirk, várias empresas foram pressionadas a despedir pessoas que ousaram citar o menino ou até fazer piadas sobre isso.

Jimmy Kimmel teve o seu programa suspenso porque, segundo a Comissão Federal de Comunicações, não está de acordo com o interesse público. Mais uma vez, por coincidência, Donald Trump já tinha pedido a sua demissão publicamente e ameaçado retaliações à existência do programa, mas foi só coincidência.

De repente, a turma dos comediantes e comentadores do “já não se pode dizer nada” já não tem absolutamente nada para dizer.

Lutaram tanto pelo direito de chamar alguém de retardado que quando é o sistema político a sê-lo ninguém quer chamar por esse nome.

Mesmo em Portugal, onde tanta gente se manifestou pelo falecimento de Charlie, como se toda a gente frequentasse a mesma fábrica de chocolates, permaneceu demasiado estarrecida para comentar.

A IL que ainda há pouco se prestou logo a defender o direito da atriz Sidney Sweeney fazer publicidade a calças de ganga, chamando-a de incancelável, de repente demorou um bom bocado a quebrar o total silêncio quando programas de comediantes foram de facto cancelados. Talvez a prontidão a defender o forte amor do partido pela liberdade de expressão se restrinja apenas a loiras de jeans.

Já agora, não sei se a senhorita Sweeney aprovaria dizerem que é incancelável. Eu não sei se isso é motivo de orgulho: a diarreia também é e isso não a torna algo bom.

Quando Mariana Leitão finalmente comentou o caso, disse logo que “O wokismo continua forte na América”. Aparentemente, “censura do estado” agora mudou de nome. O problema da PIDE não era a falta de liberdade de expressão, era ser demasiado woke. Salazar é a cara do wokismo.

É sempre interessante que quem mais se diz contra a “cultura woke” e que o “wokismo” está por todo o lado fique sem dormir a pensar nisso. Afinal quem é que está woke o tempo todo?

Entre a censura do wokismo e outras coisas que não existem, ainda prefiro vampiros.

André Ventura ainda há uns tempos dizia que “o parlamento está sequestrado pela linguagem woke” e isso faz sentido porque está cheio de obcecados que não param de dizer isso.

Curiosamente, os membros do partido Chega, conhecidos por gritar aos mais altos berros que a liberdade de expressão é das melhores virtudes, não parece ter qualquer problema quanto a calarem comediantes. É bom saber que os mais altos defensores da liberdade de expressão irrestrita, na verdade, importam-se tanto com a liberdade de expressão quanto um babuíno se importa com física quântica.

Se calhar era preciso tudo isto para sabermos que quem se queixa tanto da cultura de cancelamento já estava até ao pescoço nisso ainda antes do Kirk.

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