Quarteira

Da emoção de Vitor Aleixo à festa de Cabo Verde na apresentação de livro sobre o campo de concentração do Tarrafal

A Biblioteca Municipal de Loulé recebeu no dia 28 de outubro a apresentação de “O campo de concentração do Tarrafal (1936-1954) – História e uma proposta de reabilitação urbana”, de José Soares e Luis Gomes Semedo.

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A sessão foi apresentada por Edna Oliveira, a obra foi apresentada por Luis Pedro Soares e contou com as intervenções dos autores e do presidente da Câmara Municipal de Loulé, Vitor Aleixo, como grande humanista que é, num discurso muito emotivo (ver mais abaixo).

A apresentação foi uma autêntica festa à moda de Cabo Verde com as atuações de Benvindo Barros acompanhado do músico convidado Meca Lino, do Grupo Batucadeiras Boa Esperança, de Loulé, e do ator e cantor de Cabo Verde, João Pereira, mais conhecido por Tikai.

No final, teve lugar uma sessão de autógrafos durante a qual os autores ofereceram uma lembrança de Cabo Verde a Vitor Aleixo e duas tabancas (instrumento musical típico de Cabo verde a partir de búzios) às Batucadeiras Boa Esperança.

Teve ainda lugar a projeção do vídeo Tarrafal All Stars, o Hino do Tarrafal.

O objetivo principal da obra, por um lado, é analisar as causas que levaram à construção do Campo de Concentração e o quotidiano dessa prisão, durante os dezoito anos do seu funcionamento e, por outro lado, apresentar uma proposta para a sua reabilitação urbana, ou seja, como potencializar o espaço e dar-lhe novo uso para que possa ser melhor aproveitado pelos utentes.
José Soares é natural de Chão Bom – Tarrafal e é licenciado em História e mestre em História Cultural e Política pela FCSH da UNL. Foi Coordenador do Gabinete de Desenvolvimento do Turismo do Ministério de Turismo e Transportes de Cabo Verde e atualmente é assessor do Ministro de Turismo e Transportes e Deputado na Assembleia Municipal do Tarrafal.
Luis Gomes Semedo é natural da Cidade da Praia, Cabo Verde, e é arquiteto com mais de 12 anos de experiência em urbanismo, planeamento urbano e projetos arquitetónicos. Atualmente é Assessor do Ministro de Infraestruturas, Habitação e Ordenamento do Território de Cabo Verde.

Edna Oliveira

Não sei se sabem o que é que foi este campo de concentração do Tarrafal mas ainda bem que vieram hoje, que assim vão ficar a saber. Acho que é muito importante nós termos conhecimento de coisas que passaram lá atrás que por vezes são a causa da liberdade que temos hoje. Vou só resumir assim muito rapidamente. Vamos recuar até 1936, época de Salazar, de ditadura, em que a liberdade de expressão era condenada e muitos portugueses, políticos da oposição à ditadura Salazarista, foram enviados para este campo, que fica em Cabo Verde, na Ilha de Santiago do Terrafal. Mais concretamente, numa aldeia chamada Chão Bom, o que é um bocado irónico. Chão Bom tinha lá erguido uns muros que gritavam injustiça e o que se passava lá era tudo menos bom.

E não foram só os portugueses. Mais tarde, foi o destino de muitos cabo-verdianos, guineenses e angolanos, todos opositores da ditadura de Salazar. E foram tratados… Nem sei explicar. Foi totalmente desumano porque as condições lá não eram das melhores. Com o calor que fazia lá, quando havia chuva, apareciam muitos mosquitos que facilitavam o aparecimento das doenças.

E quando eles estavam doentes, o que é que acontecia? Nada. Eram deixados lá a morrer. E é por isso que o campo de concentração também tinha outro nome, o campo da morte lenta, porque eles eram deixados lá a morrer dia após dia, entregues à morte. Além disso, não era só a alma deles que morria, era também o sonho deles por um mundo melhor, um mundo livre e infelizmente muitos deles não o puderam viver. O sonho deles foi concretizado. Temos que lhes agradecer porque se hoje podemos ser livres, é por causa da luta de todos esses que foram contra a ditadura.


Vítor Aleixo

Loulé tem uma longa história de relacionamento com Cabo Verde. Temos uma comunidade que está radicada e muito bem integrada no Concelho de Loulé há mais de 50 anos. Temos uma geminação com a Ilha da Boavista que data de 1999 ou 2000. Esta relação de Loulé com os cabo-verdianos conta-se numa história que eu acho que é uma história muito bonita e exemplar, no sentido de que houve um país na Europa que a dada altura acolheu uma comunidade muito numerosa. Que veio trabalhar.
Que fugia às dificuldades do seu próprio país. Tal como nós nos anos 60. Fomos para a França, para a Alemanha, para os Estados Unidos. Para não falar da emigração mais recente dos portugueses para outras partes do mundo. Nós recebemos aqui os cabo-verdianos que vinham à procura exatamente da mesma coisa que os nossos pais e avós foram procurar noutros países do mundo. Aqui, os cabo-verdianos integraram-se pelo trabalho e pelos bons exemplos. A própria Igreja Católica teve aqui também um papel importante. Eu sou insuspeito porque não tenho credo religioso nenhum. Mas devo dizer que a Igreja Católica teve um papel importante neste relacionamento constante entre as autoridades políticas e administrativas locais e a comunidade cabo-verdiana.
E, portanto, tudo isto é uma história muito longa e muito bonita. E eu queria aqui, mais uma vez, tenho feito isso publicamente muitas vezes, agradecer, sobretudo agradecer o grande contributo que gerações de cabo-verdianos deram ao desenvolvimento deste concelho, que é um concelho muito importante no país.
Um concelho que apresenta índices de desenvolvimento e prosperidade verdadeiramente notáveis. Mas é preciso perceber também que há aqui um contributo desta comunidade. E, em geral, dos imigrantes.
Dentro da imigração, a comunidade cabo-verdiana é aquela que mais cedo veio para cá, mais cedo se inseriu e mais cedo trabalhou e contribuiu para a prosperidade do nosso concelho. Mais uma vez não perderei mais esta oportunidade de elogiar, de enaltecer o contributo destas pessoas. Muitos deles são meus amigos. Fiz muitas amizades com os cabo-verdianos e com as cabo-verdianas.
Nos meus tempos de estudante, os meus melhores amigos foram cabo-verdianos. Aqueles que na Universidade, no dia-a-dia, conviviam comigo diariamente. E, portanto, tive exemplos de pessoas maravilhosas. Pessoas de uma generosidade, de um amor e de um carinho que nunca cheguei a conhecer na minha vida.
Depois da geminação, nunca cheguei a voltar à Ilha da Boavista. Muito recentemente, depois da última edição do Festival MED, onde nós convidámos oficialmente Cabo Verde para aproveitar este grande acontecimento cultural e musical que acontece todos os anos aqui em Loulé, na sua vigésima primeira edição, convidámos oficialmente Cabo Verde. E Cabo Verde não se fez rogado.
Apareceu com o que melhor tinha da cultura, da gastronomia, das tradições. Fizeram-se representar e deram um contributo extraordinário para que nós tivéssemos, talvez, a melhor edição do Festival MED. Portanto, depois disso, eu não podia recusar um convite que normalmente eu recusaria, porque já estava de saída, mas insistiram tanto que eu fui a Cabo Verde muito recentemente. Reencontrei alguns dos meus colegas estudantes da Universidade, o que é uma coisa absolutamente maravilhosa. Já todos velhotes, como eu. Mas eles lá estão em Cabo Verde. Eles lá estão a trabalhar, alguns reformados.

Portanto, quero agora dizer umas palavras sobre o modo como fui recebido. Eu e a delegação de Loulé fomos recebidos na Ilha de Santiago, onde fomos recebidos pelo Ministro da Cultura e pelo próprio Presidente da República, que deu-me essa honra.
Portanto, fomos tratados com elevadíssima dignidade. E eu adorei ir a Santiago e ter a oportunidade de voltar a Cabo Verde, de rever amigos e estive no Tarrafal.
O Tarrafal era uma coisa que eu conhecia da História, porque eu sou estudante de História, eu sou licenciado em História e Ciências Sociais. Sabia o quanto importante aquele monumento é, porque eu visitei (visivelmente emocionado), isto é já da idade, peço desculpa, a gente comove-se porque é um local que, quando ali passamos, vemos a violência brutal com a que a Ditadura Salazarista, como disse a Edna, tratou aqueles que lutaram justamente pela libertação do seu país. Mas também portugueses foram para lá.
Eu tenho até um livro escrito pelo Edmundo Pedro, que foi um dos prisioneiros do Tarrafal, com uma dedicatória muito bonita. Tive a oportunidade de ver as condições brutais, era mesmo um campo da morte lenta, visitei a Frigideira, que ficava ao lado da cozinha para a tortura ser ainda mais refinada, vi aquelas salas onde esteve gente que nós nunca devíamos esquecer, guineenses, cabo-verdianos, angolanos e até outros, com representações menos numerosas, mas que foram lá prisioneiros. Pessoas que, como foi dito e muito bem, deram a sua vida, que sacrificaram a sua vida pessoal, as suas famílias, para que nós pudéssemos um dia ter aquilo que hoje temos, a liberdade, que é um dos maiores bens da humanidade, e que hoje volta a estar sob ameaças porque por todo o mundo há uma extrema direita que se levanta, que, paradoxalmente, ganha apoio, e muita gente, simples gente popular, vota em projetos políticos que representam um autêntico regresso a esse passado, tenebroso, esse passado que nunca deveria ser esquecido e que deveria ser ensinado em todas as escolas, e não foi. E talvez por isso nós hoje estejamos a ver nos horizontes à frente tempos muito sombrios que aí vêm, e eu digo isto muitas vezes, eu sou muito pessimista em relação ao futuro. Não quero assustar ninguém mas acho que já não conseguiremos evitar o mal que está à nossa frente, se não atravessando-o.
Ou seja, há males que não se evitam, vão ter de ser atravessados. E o período negro de perda de direitos, de liberdade, de direito à decência, ao reconhecimento da individualidade de cada um está aí e nós estamos a regredir nisso tudo. Acho que vamos perder muitas coisas bonitas e positivas porque em algum momento os democratas falharam, também é preciso reconhecer isso.
Porque se nós não tivéssemos falhado, nós não teríamos esta loucura hoje atrás da extrema-direita e quem apoia a extrema-direita é quem, pura e simplesmente, desconhece as consequências destes programas políticos que estão presentes nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina, agora mesmo há dias.
E que estão presentes já hoje na Europa toda, uma onda brutal, que eu acho que já não vamos ser capazes de evitar. O melhor que podemos fazer é preparar-nos para nos defendermos e para resistir. Resistir sempre porque o mal vem aí. E portanto, meus amigos, eu vi isto tudo e compreendi isto tudo também no Tarrafal.
E comovi-me a ver aquelas pessoas. Antes tinha estado na Guiné-Bissau, onde fiz questão de pedir às autoridades guineenses que me levassem à campa do Amilcar Cabral, onde pus-me uma coroa de flores.
Estive na Amoura, na Fortaleza de São José. E fui pôr também uma coroa de flores na Campa do meu querido e inesquecível Kumba Yalá, que formou-se aqui em Loulé.
Visitei também o Museu da Resistência na Amura, onde pude ver muitas coisas da resistência e da luta pela libertação, onde deixei uma nota no livro de honra dos visitantes.

E depois estive no Campo de Concentração do Tarrafal. E digo-vos que estes africanos destes países que eu visitei encabeçaram uma luta justa porque a luta deles era justa. A luta pela sua independência, pelo direito à liberdade de decidirem o seu destino, o seu futuro.
Eu hoje falo sem tapas na língua. Já não tenho que ser politicamente correto. Aliás, eu fui sempre um bocadinho politicamente incorreto. Mas agora já nada me condiciona porque estou de partida. E, portanto, digo aquilo que penso.
E nós temos uma dívida histórica. Uma dívida muito grande para com aquela geração de africanos, uns mais notáveis que outros.
Desde as figuras extraordinárias que foram Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Samora Machel e tantos outros.
Queria aqui lembrá-los porque todos eles foram importantes. Todo aquele povo foi importante. E nós, portugueses, devemos uma boa parte da nossa liberdade graças à sua luta pela independência, pela liberdade, por um país livre. Não esqueçamos nunca que o Movimento dos Capitães nasceu precisamente na Guiné-Bissau.
Se eu continuasse (presidente da câmara), uma das coisas que eu faria com grande força, era tentar cultivar esta relação com os países nossos irmãos africanos que têm a mesma língua que nós.

Vocês são os herdeiros desses grandes lutadores que tiveram vidas muito difíceis e muitas traições na política. Não foi fácil mas conquistaram e têm hoje um grande bem que é a liberdade. Nós estamos gratos. Desejamos a estes povos boa sorte.
E se pudermos caminhar em conjunto no futuro, continuarmos a caminhar, respeitando-nos e estimando-nos mutuamente e construindo um futuro melhor.


José Pedro Soares, apresentador da obra

Doutor Vitor Aleixo, quero, ao mesmo tempo, cumprimentá-lo e agradecer-lhe tudo aquilo que tem feito por esta cidade, por esta área geográfica, mas também pelo que tem feito pela enorme comunidade africana aqui radicada.

Depois de apresentar este livro em Cabo Verde, no Concelho do Tarrafal, de onde somos naturais, e na Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, dizia, é para mim uma honra enorme estar a apresentar o livro aqui no Algarve que, geograficamente, está mais próximo de Cabo Verde. Os autores fizeram questão que a primeira apresentação desta segunda edição fosse aqui e depois, então, em outras latitudes de Portugal.
Espero que este seja um bom pronúncio, porque também Portugal faz parte deste Estado de Cabo Verde, e Portugal, por razões óbvias, umas boas, outras nem tanto, também tem muito protagonismo nesta segunda edição.

Este livro, através de uma narrativa segura, tem alguma base científica e veracidade histórica. Depois de uma fase literalmente histórica, chegamos a uma fase mais factual daquilo que foi idealizado por Salazar, daquilo que foi construído, utilizado, narrado e historiado, tendo como referência o universo espacial.

É neste contexto que surge esta presente obra. O campo de concentração do Tarrafal, neste momento, constitui quase que uma literatura, muitos livros têm sido escritos sobre ele, Aliás, não é por acaso que o Governo de Cabo Verde está a trabalhar no grande propósito de elevá-lo à categoria de Património da Humanidade.
São muitos livros, há toda uma literatura sobre o campo de concentração do Tarrafal. Neste contexto, neste universo literário, este é mais um livro que, a juntar-se a outros tantos já publicados sobre o Tarrafal, facilita e aumenta a difusão da nossa literatura e constituirá, em parte, um enorme contributo para a compreensão dos fenómenos políticos que, no passado e no presente, marcaram e marcam a nossa sociedade. Por outro lado, e quando se pensava que em relação ao campo de concentração do Tarrafal não havia nada de novo que se pudesse acrescentar com o que já fora dito, surgem estes dois autores, o José Soares e o Luís Gomes, com uma obra que, em si, encerra uma proposta ousada e contemporânea com projeção para o futuro.
Tendo como pressuposto a História, o Urbanismo e a Arquitetura, há novidade introduzida. Na primeira edição, estão os testemunhos dos Tarrafalenses que acompanharam a construção e a permanência do campo na sua terra natal. Nesta segunda edição, os autores acrescentaram testemunhos dos que possuem uma vivência posterior a esse período. Portanto, numa questão de bom senso e equilíbrio, ouviram testemunhos que viveram o campo depois do seu lançamento, muito depois da nossa independência nacional.
Um dos méritos do livro é, precisamente, trazer ao nosso conhecimento tantos testemunhos, alguns vivos, essenciais para a investigação e outros que já não fazem parte do mundo dos vivos. Para isso, fizeram um largo trabalho, quase pioneiro. Os autores utilizavam métodos de investigação, de pesquisa monográfica e bibliográfica nas bibliotecas de arquivos existentes, tanto em Cabo Verde como em Portugal.
A nível bibliográfico, os autores basearam-se nos testemunhos descritos e achados pelos autores que estiveram encarcerados, principalmente nas obras Tarrafal Testemunho, Pântano da Morte e nas leis nº 26.743 de 28 de março de 1936 e 26.539 de 23 de abril do mesmo ano. Os autores retomam a análise e a caracterização dos antecedentes do campo de concentração, a vida quotidiana dos presos e fotografam o real campo de concentração do Tarrafal, a importância que conseguiu o Tarrafal na Ilha de Santiago, na história e na política do Estado Novo. Explicam o porquê da escolha do Tarrafal para a segurança da construção e a sua imagem para o exterior.
Abordam ainda, neste livro, a história política e social portuguesa na época salazarista para vincar a ideia de que afinal o Concelho do Tarrafal não foi aquilo que foi divulgado pelos antigos presos que passaram pelo campo de concentração como sendo, passo a citar, o pior dos piores sítios de Cabo Verde. Ironia ou não, destino e bairrismo à parte, regionalismo à parte, Tarrafal continua a ser um dos melhores lugares da maior ilha de Cabo Verde que Salazar escolheu para fazer calar os seus inimigos políticos.
No mundo em que nós vivemos, um mundo atribulado, incerto, com a terceira guerra mundial em pedaços, é muito importante e ganha cada vez mais substância o reforço da política da globalização patrimonial, na investigação e dinamização da vida cultural, no conhecimento profundo e científico da nossa realidade social, cultural e histórica. Décadas passaram e ainda na atualidade existem dúvidas e inquietações sobre a história política do Estado Novo salazarista que, na primeira metade do século XX, criou o campo de concentração do Tarrafal. A primeira parte desta obra é uma espécie de introdução, com os autores a traçar e reunir o dispositivo estatístico sobre Cabo Verde, Santiago e Tarrafal, no passado e no presente.
A fazerem o enquadramento e a caracterização do Arquipélago e apontarem as transformações demográficas ocorridas. Através destes objetivos, com linguagem estruturada, gestão didática e com bastante profundidade.

As segunda, terceira e quarta partes constoem um grande motivo da presente obra, desde a criação do campo de concentração, passando pelo dia-a-dia, pelo quotidiano, até o seu encerramento, caracterizado por fortes convicções de resistência à esperança de que um dia se pode alcançar a liberdade. Ao fazê-lo, apresentam a origem e a evolução de alguns campos de concentração que decidiram ou tiveram influência no campo de concentração do Tarrafal, com referências a campos de concentração na África do Sul, na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, África do Sul, Alemanha, Polónia e Brasil.
Segue-se a descrição da conjuntura política e social em Portugal e na reação das lutas democráticas dentro da ditadura da qual se imaginava o salazarismo, enquanto regime político, que veio culminar no Estado Novo. Foi precisamente essa conjuntura política e social em Portugal e a luta interna desencadeada que leva ao campo de concentração do Tarrafal para o desterro dos seus inimigos políticos.

Depois, fizeram o levantamento fotográfico, mostrando o estado de degradação em que se encontrava o espaço.
Tudo isso antes de 2011. A má qualidade estética do aglomerado e o desaproveitamento do potencial turístico para o município, para a ilha e para o país. Alguns dos edifícios situados no espaço extra muros estão parcialmente arruinados, necessitando intervenções.
O envelhecimento decorrente do uso e a falta de manutenção e conservação ao longo de vários anos têm conduzido a uma degradação progressiva das estruturas dos edifícios, transformados em ruínas. Neste contexto, a essência do livro é a proposta do seu reaproveitamento. Fazer do Tarrafal de Santiago, via este campo de concentração, a principal porta de entrada da cidade. Por isso, passados 50 anos depois da nossa independência nacional e 35 anos de democracia, nunca será demais afirmar que se trata do nível patrimonial de qualquer instituição pública, com contribuições culturais sobre espaços públicos, a classificação e a preservação de todo o património arquitetónico. Os autores procuram formular de uma forma objetiva, técnica e coerente, respostas e soluções tecnicamente fundamentadas.
Estas propostas esperam contribuir para a versão urgente e definitiva de medidas que transformarão tanto o Tarrafal no órgão atrativo, da ciência e com fatores máximos como a História e a Política. Para elaborarem este trabalho, basearam-se em situações similares, ocorridas em dois espaços diferentes, em duas latitudes. Primeiro, um incêndio ocorrido aqui em Portugal, na zona do Chiado, em 1988, que assolou aquela nova cidade de Lisboa. A outra situação aproveitada foi a situação da Cidade Velha, hoje Ribeira Grande de Santiago, que até este momento é o nosso único Património Mundial da Humanidade. Assim como a Cidade Velha, o campo de concentração do Tarrafal oferece-nos um quadro de histórias muito interessante, ressaltando o contexto em que se encontra e o objetivo é o mesmo a reabilitação e a requalificação, valorizando e preservando as suas histórias e as suas estruturas arquitetónicas. A presente proposta assenta em duas ações complementares.
A primeira ação, ligada diretamente à recuperação dos edifícios extra muros. A segunda, ligada à reabilitação de todo o complexo prisional. Muito importante é que o somatório dessas intervenções não levem a que todo o espaço perca a sua identidade como património cultural. Muito pelo contrário, trará um valor acrescentado ao campo de concentração do Tarrafal.

Notas finais para dizer que, para os autores, o esforço efetuado por Salazar e pelos seus programadores para a consolidação do seu regime político, a tentativa de abafar as bolsas que a organização que se levantavam contra o regime, levaram a que se criasse um campo de concentração longe, fora da metrópole, para desterrar os seus inimigos. O local escolhido, nem mais, foi o Tarrafal de Santiago, em Cabo Verde. A escolha não foi por acaso.
Para os autores, o principal motivo teve a ver com a sua localização e o seu clima. Associaram os melhores lugares da maior ilha de Cabo Verde à existência de um campo de concentração sem condições higiénicas e de habitabilidade mínimas, e onde não havia assistência médica nem medicamentosa adequada, agravada por maus tratos, agressões, provocações dos aduladores, guardas e carcereiros, trabalhos forçados na frigideira brava, castigos na frigideira, apenas alguns dos exemplos dos meios utilizados pelos algozes de Salazar. As condições humilhantes e desumanas naquele campo, criaram um certo estigma, ainda hoje ligado ao Tarrafal, de tortura, morte e fascismo.
Não obstante, houve pontos positivos dentro do campo, como as aulas de diversos nacionais corrigidos com função académica, bem como a discussão de temas políticos, dentro e entre os diferentes elementos de agrupamentos políticos. Por tudo isto, o antigo campo, hoje o Museu da Resistência, deve construir-se como um exemplo que nunca mais se quer. O título do livro, a temática, os conteúdos e a abordagem, a pertinência, a autenticidade, a atualidade e o alcance, e por aquilo que representam do passado, presente e futuro, oferecem uma importância capital.
O antigo campo de concentração e o campo de trabalho, constituem um património histórico e político que, quando maximizados na sua realização, produtividade e preservação, catapultam em definitivo o Tarrafal e Cabo Verde para a ribalta e para os holofotes de um mundo incerto, onde o particular e o genuíno nos universalizam. O Tarrafal é único. Por tudo isto e muito mais, que só a leitura do livro nos proporciona, é um livro que deve ser adquirido, lido, partilhado, oferecido e preservado.
Como todos nós, cada um à sua maneira, cada um no espaço em que estiver, deve contribuir para a preservação deste campo de concentração do Tarrafal.

Luis Gomes Semedo

Esta obra está estruturada em quatro pilares. A história, a arquitetura, a memória e a visão para o futuro.
Fui lá e decidi, juntamente com o meu colega José Soares, fazer a história e a arquitetura.
Então, fizemos esta junção, onde temos esta obra hoje. Temos a parte intramuros, que tem a área de prisões, e temos a parte extramuros, que são os edifícios de apoio.
São edifícios de economato, diretores, da PIDE. Então, temos um conjunto de edifícios que são de apoio à própria estrutura da cadeia. Estes edifícios estão num estado de degradação.
E aí surgiu a ideia de transformar este espaço em sustentável, que gera uma economia, porque neste momento este espaço está um bocadinho degradado e se não preservarmos esta história, vamos esquecer-nos dessa história. Por isso, eu trouxe aqui um conjunto de propostas para aqueles edifícios, de forma a preservar a história, de forma a que os meus filhos, os meus netos, quando forem lá, vão encontrar a história.
Então, neste livro está um conjunto das propostas que fizemos. Não deixa de ser uma proposta mas eu, pessoalmente, e também acredito que o meu colega, gostaria de ver algumas propostas serem realizadas porque o campo de concentração teve o seu início no ano de 1936 a 54.
Foram os presos políticos portugueses que foram para lá. Depois teve uma outra abertura, que foram os presos cabo-verdianos, angolanos e guineenses. Então, o campo de concentração tem essas duas vertentes da História.
Então, pegámos aí e fizemos uma proposta que está aqui no livro e que eu entendo que é muito interessante. Porque agora, vamos para o campo de concentração. Se queremos tomar um café, não temos espaço para sentar, para sentir. O que eu quero é que as pessoas vão para o ex-campo de concentração, sentir o que é que os presos viveram lá.
Para ficar lá, para sentir o espaço, até para dormir. Para sentir o que é que eles passaram aí. É um sofrimento que só eles é que sabem explicar. Criámos uma alternativa para criarmos economia local também.

José Soares

Como sabem, tem aqui um rapaz, o Márcio, já tem 21 anos, que é o neto da Dona Lídia. Eu conheço bem a realidade e quero aqui também reconhecer, prestar alguma homenagem ao meu filho e à família, pelo acolhimento e por aquilo que Loulé também significa para mim.
Eu fui aluno, fui seminarista, orientado pelo Padre César Chantre. Fui até onde pude ir. Fiz História na Universidade Nova e fiz o mestrado também na Nova.
Depois, fui para Cabo Verde em 2006, com o Márcio. E ingressei lá na Câmara. Era vereador, com o meu colega Luis Pedro.
Fui vereador de Cultura, Turismo, Promoção do Concelho e também dos Desportos. Depois, fui Presidente da Câmara durante dois mandatos. Fomos também colegas e fui para o Parlamento.
Fui Deputado da Nação, representando Cabo Verde de alguma forma. E hoje estou a lutar para que possamos dignificar melhor a nossa história através da segunda edição do livro.
Como sabem, o livro foi publicado na primeira edição em 2006. Está esgotada.

Com esta segunda edição, quisemos vir aqui agora, para também apresentar a nossa história e a vossa história. E agradecer também aqui ao Presidente Vitor Aleixo, que já conheço há muitos anos, pela disponibilidade e abertura, dizer que a história de Cabo Verde é a história de Portugal.
E a história do Tarrafal é a história de Loulé. Já agora, por que não, ao novo Presidente, pensar, por que não, uma relação muito mais estreita com Tarrafal. Disse a Dona Lígia que eu tinha o desafio de trazer aqui nomes louletanos que também que foram aprisionados no Tarrafal mas não foi possível.
Não consegui, de alguma forma, trazer essa referência, mas faço a questão, depois de enviar algumas informações, saber de louletanos ou outros algarvios que foram prisioneiros no Tarrafal.
Nesta obra, o meu colega Luís, que é arquiteto, apresenta uma proposta de reabilitação do espaço, para que tenhamos mais turismo, mais cultura e, por que não, uma delegação, um conjunto de pessoas de Loulé e de Cabo Verde, num futuro próximo, irem conhecer o nosso município e a nossa região.
Então, passamos à proposta de reabilitação daquilo que nós entendemos. A nossa proposta não é uma proposta vinculativa, é proposta de estudiosos da matéria. Embora sejamos assessores do Ministro do Turismo e do Ministro das Infraestruturas, somos livres, graças também à luta que aqueles que foram para o Tarrafal fizeram, nós temos a liberdade de dizer aquilo que pensamos. Portanto, a nossa proposta é uma proposta que pode ser ou não acolhida, mas é a proposta de quem estuda e de quem gosta de Cabo Verde e gosta da história contemporânea.

Por: Jorge Matos Dias / PlanetAlgarve

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