Quarteira

CENTENÁRIO DA FREGUESIA | “Laboratório da Memória” dedicado às Pescas e ao Mar em Quarteira

No âmbito do programa comemorativo do Centenário da Freguesia de Quarteira, o Museu Municipal de Loulé promoveu na quarta-feira, 9 de novembro, na sede da QUARPESCA, mais uma sessão da rubrica “Laboratório da Memória”, desta feita subordinado ao tema “As Pescas e o Mar”.

Com moderação do repórter de imagem Pepe Brix, que acompanhou a atividade da pesca nos dias que antecederam a iniciativa, de forma a melhor se inteirar da realidade da comunidade piscatória de Quarteira, os quarteirenses partilharam os segredos da profunda relação que mantêm com o mar e as artes da pesca e as memórias dos momentos que envolvem essa ligação história.

O pescador mais idoso na sala, António Guerreiro, lembrou que no seu tempo de juventude, nos anos 60 do Século XX, a pesca era feita com linha de cozer a roupa. O polvo era apanhado com alcatruzes de barro, a pesca era de arrasto e de amalhar. As redes eram feitas à mão. Um pano de rede com mil malhas levava 3 ou 4 dias a ser feito, num trabalho rápido. Os pescadores iam para os armazéns fazer as redes para quando o tempo o permitisse, estivesse tudo pronto. Era utilizada casca de pinheiro, fervida em água, para pintarem as redes. Era também utilizado óleo de linhaça mas, com o calor, as redes apodreciam e essa prática foi então abandonada.

Isidoro Correia lembrou que, nessa altura, havia 425 embarcações registadas em Quarteira, praticando tudo o que era arte da pesca, entre as quais a armação da cavala, a pesca de cerco e a arte chávega, uma arte da pesca criada e praticada em Quarteira, também chamada de rapa.

Na altura, as embarcações eram muito rudimentares, a remos e com um pano a fazer de vela. Surgiu depois o construtor de embarcações dessa altura na cidade, o Mestre Casinha, que construía todas as embarcações no seu estaleiro junto à lota, tendo surgido depois o Abóbora e o Mestre Valente e, mais recentemente, o construtor Rui Pinto.

Naquele tempo, não havia porto de pesca e os barcos eram varados na praia, onde o peixe era vendido em regime de venda direta. Era uma lota improvisada com montinhos de peixe na areia. Mais tarde, surgiram tarimbas de madeira onde o peixe era colocado. Havia dois períodos de venda de peixe, de manhã e à tarde.

O peixe era amontoado à medida que as embarcações iam chegando e não podiam passar à frente uns dos outros porque o pescado desvalorizava, uma vez que as espécies eram praticamente as mesmas.

Isidoro Correia lembrou que, em criança, substituiu o seu pai junto ao seu montinho de peixe e, quando ia chegar a sua vez, foi chamar o seu pai. Chegados à praia, já tinham passado à sua frente. Indignado, ali levantou um sarrabulho, pegando no guarda fiscal de serviço às costas, indo por água adentro e deitando-o ao mar lá à frente. Acabaria por ser detido e recolher à prisão. Então, Isidoro Correia disse que a sua mãe teve a esperteza de mobilizar um grupo de mulheres com a intenção de despertar os sentimentos dos guardas, indo chorar para a porta da Guarda Fiscal, rogando a libertação do detido, que foi então libertado.

Veio a debate a Lavada, uma arte que era praticada por praticamente todas as famílias quando não iam ao mar, pessoas muito pobres, que procuravam no mar o seu meio de sustento, tanto para combater a fome como para venda, por forma a terem algum sustento. Essa arte de pesca não estava registada porque ia apenas a 1 milha da costa, com redes puxadas para terra.

Outra arte utilizada era a Redilha, com uns no mar e outros em terra.

Outro tema em debate foi o antigo Bairro dos Pescadores. Foi recordado que começaram por ser barracas que serviam de armazéns para os apetrechos da pesca, ainda antes do 25 de Abril. Após a Revolução, com a chegada dos Retornados, foi contactada a câmara de Loulé para resolver o problema do seu acolhimento. Não havendo parque habitacional disponível, a autarquia sugeriu então o terreno onde estavam as barracas dos pescadores, alegando que esse terreno não teria dono, embora tivesse. Foram então construídas 114 edificações. Foi lembrado que a família Lapa foi a primeira a construir, a Poente das barracas já existentes, com areia, pedras e verbas atribuídas pela autarquia louletana. Com a evolução do processo, chegou a haver ali cerca de 400 edificações: 300 habitações e 100 armazéns dos pescadores.

Já em finais da década de 80, um dos moradores, Leonel Marela, tinha como companheira uma mulher moçambicana, que tinha frequentemente litígios com outra mulher africana, a qual ameaçou pegar fogo à casa de Manuel Marela, circunstância que se veio a verificar. O fogo alastrou, alimentado pelos resíduos do combustível e pelos óleos dos motores dos barcos, tendo ardido quase todo o bairro de barracas. Foi recordado que, no incêndio, arderam cerca de 40 mil escudos (moeda da época) que José Bota guardava em casa. Quase todos os pescadores foram afetados no incêndio. Na altura, estava previsto um apoio estatal para a pesca artesanal de Quarteira, cuja verba acabaria por ser desviada para o apoio à reformulação das embarcações ardidas.

Na altura do chamado Bairro dos Pescadores, na época balnear, as pessoas alugavam as suas casas no miolo urbano da cidade e passavam o verão nessas construções.

Foi recordado que o antigo campo de futebol do CDR Quarteirense ficava aí.

Foi lembrado que no temporal ocorrido há cerca de 15 anos, a administração do resort turístico de Vilamoura forçou os armadores de Quarteira a registarem as suas embarcações noutros locais, como Faro e Portimão, porque a lei previa que em caso de temporal as embarcações de pesca poderiam procurar abrigo no local mais próximo, uma forma de afastar as embarcações dos pescadores da Marina de Vilamoura.

Durante séculos, Quarteira foi uma modesta aldeia de pescadores, situada à beira de uma praia com 3Km de extensão e rodeada por pinhais. Ainda hoje é bem conhecida pela magnífica praia, pelo peixe da melhor qualidade e pela vertente piscatória, potencial importantíssimo, não só pela riqueza que produz, como pela tipicidade que encerra, constituindo por isso uma das atracões dos turistas. A comunidade piscatória quarteirense é, sem dúvida, uma das mais importantes do país.

Pretendeu-se, portanto, que este encontro fosse um momento enriquecedor de partilha de estórias, contribuindo para aprofundar o conhecimento da história local.

Por: Jorge Matos Dias / PlanetAlgarve

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