Em primeiro lugar, não quero deixar de enaltecer o trabalho incansável de tanta, mas tanta gente, conhecida e menos conhecida, na ajuda aos animais feridos e perdidos neste incêndio.
A todos os voluntariosos que fazem este trabalho sem procurar retirar daí algum proveito ou reconhecimento, o meu bem haja.
Haveria muitos nomes a referir mas, quem faz o que faz e luta por eles diariamente neste e noutros palcos, não precisa porque não o faz em busca de glória.
Ainda é cedo para fazer um balanço do incêndio que deflagrou na Serra de Monchique e ainda atingiu o concelho de Silves. Estima-se que terá queimado uma área superior a 27 mil hectares, deixando muitas pessoas desalojadas, vários feridos ligeiros, um em estado grave e dezenas de animais à sua sorte…
Começou por volta das 14h30m de sexta-feira, dia 3 de Agosto de 2018 e que esteve por controlar durante 5 dias. Só ao sexto dia o fogo deu tréguas aos bombeiros e só agora se pode dizer que foi extinto.
Muita tinta tem corrido sobre esta catástrofe que atingiu o Algarve. Nomeadamente, várias têm sido as acusações feitas por populares que têm mostrado o seu descontentamento sobre como as coisas se desenrolaram, ou melhor, se descontrolaram. Tem passado em vários órgãos de comunicação social o descontentamento generalizado dos entrevistados face ao modus operandi das forças policiais destacadas para o terreno.
isso tem sido ainda mais visível, se olharmos para todo o tipo de comentários que têm sido feitos utilizando diversas redes sociais. Muitos são aqueles que são unânimes em dizer ter havido uma grande descoordenação dos meios operacionais envolvidos no terreno, apesar de elogiarem o trabalho incansável dos bombeiros.
Mais uma vez, verifica-se que quando as coisas começam a fugir ao controlo e a opinião pública começa a ser muito crítica, mandam Patrícia Gaspar. A mesma que também já tinha tomado as “rédeas” no fogo de Pedrogão Grande.
Ou seja, a gestão operacional passa para ela. A segunda comandante operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
E se antes, não esteve envolta em polémica, desta vez não se safou.
Foi acusada de dificultar ou barrar o acesso das pessoas que se deslocaram para a serra de Monchique, com o intuito de resgatar e salvar animais domésticos e de quinta.
Nuno Paixão, o veterinário que faz parte da ANAFS (Associação Nacional dos Alistados das Formações Sanitárias), veio em seu socorro e desmentiu isso. Segundo ele, essa ordem não partiu dela. E com isto, houve lugar a um pedido de desculpas.
Quem terá decidido então isso? Não se sabe e duvido que se venha a saber.
Contudo, penso que se essa ordem não partiu dela, seria de bom tom fazer algum comunicado a esse respeito. Não deixar a defesa em mãos alheias, digo eu. Devia esclarecer isso. Vir a público prestar esse esclarecimento porque, senão assim, parece coisa de amigo a desculpar outro amigo.
E já agora também lhe ficaria bem mostrar-se solidária para com as famílias que perderam os seus animais. E desta forma, aí sim, mostraria ser aquilo que Nuno Paixão diz a seu respeito.
Era bom que se apurasse, de facto, por parte de quem terão partido. Caso contrário, ficamos todos com ideia que a cadeia de comando não funciona e que qualquer um por aí abaixo pode dar ordens e querer fazê-las cumprir.
Era bom que se apurasse isso, digo eu, porque é grave negar ajuda àqueles seres indefesos que ficaram para trás, sem lhes ter sido dado sequer a hipótese de serem salvos.
Era bom que se soubesse isso porque só dizer às pessoas que a ordem não partiu dela, não chega.
Há que apurar então de quem partiu, não?
Houve vidas que se perderam e que talvez, com sorte, com uma intervenção rápida e assertiva, algumas poderiam ter sido poupadas, penso eu.
Apesar de, segundo li, a Câmara de Monchique ter, desde 2016, um modelo de proteção aos animais, denominado Programa “Animal Seguro”, o que é facto é que o mesmo não funcionou.
Das duas uma:
Ou a população nunca ligou a isso ou, então, falhou a passagem dessa informação aos seus munícipes. Não houve a devida comunicação.
Fui reler o que disse Rui André, autarca da C.M.M. aquando da criação desse programa:
“Sendo o Município de Monchique um Município rural, em que grande parte da população possui animais domésticos, quer sejam destinados a companhia, guarda ou produção, torna-se necessário que o Município de Monchique estabeleça medidas de proteção dos animais em caso de incêndio.
Neste sentido, o Município de Monchique criou um Plano de Proteção Animal em caso de Incêndio. As medidas de proteção a estabelecer são diferentes em função das características e da quantidade dos animais a proteger, encontrando-se por isso este plano dividido em 2 grupos – animais de companhia e animais de produção.”
Voltando atrás, e ainda sobre a polémica que estalou sobre quem deu, ou não, as ordens que afastaram particulares e associações que se deslocaram a Monchique com o intuito de salvar o maior número de animais possível, mais uma vez, o veterinário que faz parte da ANAFS, Nuno Paixão – que poderia ter atuado mais cedo, se estivessem reunidas as condições para tal – diz o seguinte:
“A ANAFS, quando actua, actua por solicitação das entidades competentes e responsáveis e devidamente integradas no sistema de protecção civil e com coordenação do comando do teatro de operações. Até ao momento ainda não fomos acionados…”.
6 de Agosto 2018
Noutro texto volta a dizer:
“Ainda não temos as autorizações necessárias, mas estamos a mexermo-nos nesse sentido. Assim que toda a burocracia esteja pronta, queremos ser o mais rápidos e eficazes possível”.
6 de Agosto 2018
No dia seguinte, junta mais esta informação:
“A ANAFS projectou para MONCHIQUE, às 18:00 horas de hoje, uma equipa composta por 3 elementos da ANAFS USAR TEAM”.
7 de Agosto 2018
E depois, face às críticas de que Patrícia Gaspar foi alvo, produz esta nota, em sua defesa.
Nuno Paixao – Medico Veterinario
ESCLARECIMENTO IMPORTANTE:
Corre nas redes sociais uma informação de que a nossa 2.ª Comandante Operacional Nacional, da ANPC, Patrícia Gaspar. foi contrária e antagonista ao salvamento de animais. É MENTIRA, É MENTIRA!!!!
Se houve antagonismo ou repressão de alguns grupos de voluntários, de CERTEZA que não foram de Patrícia Gaspar. Pessoa competente, capaz, eficaz, comunicadora nata e dotada de uma grande sensibilidade humana e sensibilidade para com os animais e seu sofrimento.
A colaboração com a ANAFS, em concreto, foi maravilhosa e sempre cooperante. Houve uma altura que realmente, devido ao afluxo de grande número de voluntários, foi necessário, por questões organizacionais e de segurança, impor algumas regras, normas e protocolos mas em momento algum o socorro a animais foi proibido.
A ANAFS nunca foi bloqueada, teve acesso a todas as áreas, cumprindo normas de segurança, com cooperação, colaboração e integração nos sistemas que actuavam no momento e no local.
Como em todas as situações desta natureza, há muito a melhorar, óbvio que sim, mas do ponto de vista de socorro animal, esta operação, foi a que maior apoio institucional tivemos. A cooperação, articulação, integração e interajuda, entre ANAFS, Sistemas de Protecção Civil e Médica Veterinária Municipal de Monchique, Dra. Ana Silva, foi EXCELENTE.
Espero que este post seja tão partilhado ou mais do que o post injusto, difamatório e mesmo prejudicial para uma medicina veterinária de catástrofe séria, competente e eficaz que tanto lutamos desde 2007.
Se houve bloqueios aos grupos de voluntários, não digo que não possam ter havido, não foram da responsabilidade da nossa Comandante Operacional Adjunta, Patricia Gaspar, de quem só podemos afirmar que tivemos apoio, compreensão e ajuda institucional.
Obrigado a todos por tudo.”
Ora bem, recapitulando, o fogo deflagra a 3 de Agosto,
A ANAFS só chega ao terreno e intervém a 8 de Agosto, correto?
Ou seja, decorridos 5 dias após a deflagração do incêndio.
Se estou correta, independentemente de achar ou saber que a ordem de restrição partiu ou não dela, é notório que os animais nunca foram relevantes para quem tomou essa decisão.
Como podem ter sido, se a própria ANAFS só teve, passados 5 dias de fogo intenso, as credenciais todas para avançar?
5 dias!
5 dias de fogo descontrolado que lavrou hectares e hectares de floresta e queimou dezenas de casas, colocando em perigo pessoas e animais?
Volto a dizer, se não é ela a responsável pelo atraso da entrada da ANAFS em cena, então quem é???? Convém já agora apurar-se quem foi, ou quem foram, as “rolhas” que dificultaram a ajuda no terreno a quem lá se deslocou com o intuito de salvar o máximo de animais possível, enquanto a ANAFS aguardava “luz verde” para avançar.
E será que, em face desta calamidade, a ANAFS, mesmo não tendo convocada, não poderia ter avançado? Ter agido?
É que em situações de calamidade muitas vezes a burocracia atrapalha. Mata.
E por saber isso é que dezenas de voluntários, com e sem formação médica, se dirigiram para o terreno e, graças a eles, muitos animais foram resgatados e salvos a tempo.
Estas minhas apreciações não pretendem de todo tirar o mérito, o empenho e o esforço da ANAFS. Todas as ajudas são bem vindas. Só é pena que não tenha sido mais cedo porque com isso certamente mais animais teriam sido salvos.
Estas minhas palavras pretendem somente chamar a atenção para aquilo que todos nós sabemos de cor, infelizmente, em caso de catástrofes como estas, a falta de organização e coordenação gera isto… Ajudas tardias. Para pessoas, animais e bens.
A burocracia não pode nem deve constituir um obstáculo à eficiência e à eficácia. Falhou-se na proteção dos animais e, se não fossem muitos particulares e algumas associações, individualmente ou em conjunto, a unirem esforços, muitas mais perdas haveria a lamentar. Só isso.
Se Nuno Paixão admite no seu último post:
Nuno Paixao – Medico Veterinario
“Sim, é verdade que houve indivíduos, algumas instituições, administrativas, locais, municipais, distritais, regionais, nacionais, que tentaram impedir a actuação da ANAFS no terreno. Sim, algumas vezes fomos informados que não éramos precisos, que estava tudo controlado. Mas como estamos habituados a que oficialmente nos digam isso e como tínhamos as devidas autorizações e certidões, avançámos para o terreno e palmilhámos perto de 3255 km, por estradas velhas, picadas e caminhos no mato e nas aldeias, onde perguntávamos directamente à população onde havia animais feridos e como poderíamos ajudar.
E sim, era preciso ajuda, e sim, não estava nada controlado. Sim, era preciso sair para a rua, andar no terreno e procurar os que precisavam de ajuda.
Sim, às vezes, por questões de segurança, óbvia e que nós mesmo víamos, não podíamos avançar. Mas nem precisavam de nos impedir. Aguardamos e avançamos de imediato quando se torna seguro.
Sim, não aceitem informações “oficiais”, pois sei que nem sempre são reais e sim, como sempre o fizemos, vamos ver o que acontece e actuamos.
Sim, não é raro algumas instituições oficiais terem medo de mostrar que não são capazes e não estão preparadas para estas situações. Ninguém está mas, como já temos experiência nisso, avançamos e fazemos a nossa missão, uma vez mais, com as devidas autorizações superiores.
A formação, o conhecimento, a organização, dão-nos a confiança suficiente para actuarmos por nós e não fomos contrariados pelos superiores, pelo contrário, deram-nos total acesso. Não desviaram recursos, como é óbvio, para nós, não o pretendemos, somos autónomos e nunca seremos um peso para os que estão lá em outras missões.
Há muito a evoluir, a crescer, é verdade, mas os passos que foram dados são promissores.
Sim, tive gente a recusar a minha ajuda, a dizer-me na cara que estava tudo bem, mas isso não nos inibiu e, quando era preciso na realidade, estávamos lá e ajudámos.
Obrigado por tudo a todos, o vosso apoio é fundamental para nos ajudar a mudar mentalidades, burocracias e atitudes”.
Com tudo isto, e para terminar, espero que os verdadeiros responsáveis pelo atraso na ajuda animal reflitam, tirem as devidas ilações da sua conduta e melhorem os procedimentos para que, no futuro, a repetir-se outra tragédia destas, os animais, tal como as pessoas, sejam também uma prioridade e ajudados na medida do possível.
Uma vida é uma vida.
Revista ela a forma humana, ou não.
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