Opinião

«É URGENTE O AMOR», pelo Poeta Miguel Silvestre

«É URGENTE O AMOR»:

O «Admirável Mundo Novo» e a desumanidade da I.A.

O beijo simulado à distância, sexo virtual, a negação das relações humanas ou a híper-necessidade de estímulos artificiais.

«Soma» A Nova Droga Admirável da Alienação na Era Digital…!!…

O «ChatGPT» da OpenAI e A Emergência da Poesia Orgânica:

Sim… foi difícil escolher um título quando comecei a pensar escrever um artigo que falasse do tão badalado ChatGPT e da poesia.

Não nego as virtudes da Inteligência Artificial e todas as consequências que já estão neste momento em marcha na nossa sociedade.

A poesia é um tema que me toca particularmente, uma vez que escrevo alguns poemas nas horas vagas, sacrificando para isso horas e horas de sono nas quais poderia estar a descansar inutilmente.

A inutilidade, o ócio, a aparente ineficiência organicista, a lentidão, parecem mesmo incomodar muita gente apressada que simplesmente já não tem tempo e paciência para esperar. Esta falta de tempo generalizada prende-se com o facto do tempo se ter transformado em moeda, em valor. Perder tempo na forma como a nossa sociedade está organizada é pura e simplesmente perder dinheiro, perder riqueza. É por isso que tentamos ser cada vez mais eficientes, cada vez mais rápidos nas nossas ações e nas nossas respostas, numa sociedade também ela que cresce a uma velocidade vertiginosa. Tentamos otimizar processos, tentamos automatizar indústrias com máquinas e robôs que não se cansam e orgulhamo-nos ufanosamente, afirmando que um objetivo que dantes necessitava da força de trabalho de umas centenas de pessoas, hoje necessita apenas de uma, aquela que vigia a máquina. E até mesmo isto poderá mudar no futuro, dizemos com extremoso orgulho.

Não pretendo com este artigo conseguir arranjar uma miríade de seguidores concordantes. Pretendo, isso sim, lançar as sementes para a reflexão.

Lembro-me quando na década de 80 se falava das virtudes da manipulação genética e de como iria eliminar a fome no mundo.

Pois nem a fome acabou, nem mesmo a virtude se revelou assim tão humanista. As sementes geneticamente modificadas tornaram-se simplesmente um negócio de milhões.

Hoje, a inteligência artificial já está profundamente enraizada nas nossas vidas. Está presente nos smartphones, tablets e computadores que utilizamos, nas nossas boxes de TV, nos processos produtivos dos alimentos que consumimos. Enfim… dela já não conseguimos escapar. Contudo, agora, preparando-se para chegar a cada consumidor individualmente, tornando-se assim num produto comercial que atingirá biliões de pessoas, conduz-nos a um caminho sem retorno que revelará em breve o «Admirável Mundo Novo» em que viveremos futuramente. O «Soma», a droga da felicidade, essa já está presente na nossa sociedade. Em vez da naturopática poesia terapêutica (sim, pois a poesia funciona como um medicamento para quem lê e terapia para quem escreve, não podendo ser por isso tomada em excesso, tudo tem de ser bem doseado na medida certa, perdoem-me o pleonasmo), os cidadãos preferem os antidepressivos e neurolépticos, anti psicóticos e ansiolíticos. Desmotivados por uma programação noticiosa cada vez mais depressiva e necrófaga da psique que insiste em justificar-se na sua definição de serviço informativo como: – O dever de «in.formar»… e que formata assim a consciência e a opinião pública que se encharca em drogas mais ou menos prescritas, procurando as massas outros estímulos nos quais possam obter prazer e satisfação. Contudo, se uma informação não satisfaz, procura-se outra mais agradável e satisfatória. O ChatGPT oferece a todos a possibilidade de obter em segundos as respostas às nossas mais recônditas dúvidas e necessidades informativas. É esta natureza dual, binária e insatisfação constante, a armadilha que nos prende à I.A. Preenchemos a nossa necessidade de informação e descontentamento com a informação recebida, com a procura de mais e mais informação, realizando um autêntico «Doomscrolling» quando navegamos na Internet diariamente.

Mas o que é que procuramos realmente? A resposta é simples… Procuramos obter prazer nas informações que encontramos. Revelam-se assim algumas consciências muito negras que são contabilizadas estatisticamente como intenções, contribuindo assim para o aumento desse mesmo género de informação que é oferecida, pois julga-se a mesma pertinente e relevante para a audiência que a procura.

O sexo virtual não é uma novidade, o «Camming», «Cibersexo», «Sexfone», «Sexting» são as quatro formas principais de sexo virtual (de acordo com a Wikipédia). Contudo, a novidade mais recente é o facto de se estar a trabalhar numa forma qualquer de serem possibilitados os beijos à distância por dois internautas. Realmente, um «Admirável Mundo Novo» que me fez lembrar um poema do tão saudoso e Genial Eugénio de Andrade:

«É urgente o amor

É urgente o amor.

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.

É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.»

Eugénio de Andrade

in: https://www.escritas.org/pt/t/1518/e-urgente-o-amor

Eugénio de Andrade
https://www.flickr.com/photos/57454164@N00/4253609978/

Contudo não permanecemos, tentamos mesmo fugir desta realidade que nos magoa e alienamo-nos numa outra que nos serve de refúgio e que se nos apresenta numa forma binária digital. Tudo se torna assim mais simples, menos doloroso, mais higiénico. Sim, como eu gostaria de beijar à distância o ente amado, satisfazendo o meu desejo ardente de um beijo, colando os meus lábios a uma máquina que certamente através de uma ligeira estimulação elétrica simularia um doce e terno beijo de forma absolutamente grotesca (atenção, não sei se este dispositivo previu os beijos molhados e de língua, deixo pois à imaginação de cada um).

Despertada a minha curiosidade pela comunicação social, num belo fim-de-semana de ócio inútil, deixei-me seduzir pelo ChatGPT e decidi inscrever-me e testar o respetivo na área que mais me é querida: a poesia. Quis ver do que esta I.A. era capaz.

Realmente, achei maravilhoso… Fazia poemas da mais variada natureza, supostamente compunha sonetos, quadras-haikus e outros. Mas foi quanto lhe pedi que escrevesse um poema erótico que veio a desilusão – Pedido: «Write me a erotic poem».

Pensei que o erro tinha sido meu. Não quis acreditar no que tinha acabado de ler. E resolvi insistir para analisar a nova resposta mas desta vez fazendo uma pequena correção – Pedido: «Write me an erotic poem».

Por mais que tentasse, não conseguia obter aquilo que queria. Decidi então suavizar o pedido e modifiquei semântica e cosmeticamente a minha intenção: – Pedido: «Write me a poem with some erotic words».

Lembrei-me então novamente do poema de Eugénio de Andrade

«É Urgente o Amor» e resolvi fazer mais dois pedidos – Pedido 1: «Define me love».

– Pedido 2: «Define me war».

Só podia concluir que tinha feito alguma coisa errada. Se calhar havia sido desrespeitoso, inconveniente, inapropriado, ofensivo, imoralista, pouco profissional, sei lá? Senti-me mesmo por instantes incomodado com os epítetos que emanavam dessa tão poderosa e ética inteligência artificial. Assim, depois de engolir todos os epítetos e adjetivos, resolvi arriscar e atirar um pedido final… – Pedido: «Write me an erotic love poem».

Deixo as conclusões à consideração dos leitores que eventualmente lerem este pequeno artigo a título de reflexão. A todos os poetas que se sentirem ameaçados pelo tão novíssimo ChatGPT, recomendo que enveredem por um tipo de poesia mais erótica, pornográfica ou escatológica até. Quanto mais ordinária melhor. Certamente assim não cairão nas críticas de quem vos lê e que se atreva a dizer: – Isso foi o ChatGPT que fez, não foste tu! (parafraseando um amigo meu numa conversa de café informal de fim-de-semana na qual falámos deste poderosíssimo programa de I.A., que num futuro próximo iria modificar a opinião pública sobre a obra artística orgânica e outras questões relevantes relacionadas com a necessidade urgente de redefinição do conceito de obra original e dos direitos de autor). Uma coisa é certa. A arte já não é um exclusivo dos humanos. Caem assim facilmente em descrédito obras originais que custaram muitas e muitas horas de sono que são assim desvalorizadas tão levianamente por quem nada entende e realmente faz justiça ao nome da própria Inteligência Artificial que cada vez mais se imiscui no interior das nossas casas e das nossas vidas, em forma de algoritmos que um dia e já em muitas coisas nos substituem.

Mas como não consegui aquilo que pretendia, decidi pôr mãos à obra e escrever eu próprio o tão desejado poema de amor erótico que a máquina me recusou. Sabia eu já qual seria a resposta que obteria quando fiz as perguntas anteriores na esperança de que alguma coisa houvesse mudado nas consciências humanas dos programadores (e ainda bem para mim que não mudou), perguntei na mesma, mas desta vez a mim próprio:

– Quanto Amor por ti eu sinto?

O Amor que por ti sinto

O amor que por ti sinto

É lascivo, é absinto

É carnal sem pudor

Mas contrário a muitos outros

É puro prazer, não é dor

É molhado nos teus beijos

Navegando nos teus seios

Nesse mar de gelosias

É feito de noites e de dias

Feito de lençóis desfeitos

Em camas rangentes nos dias

Em quatro paredes contrafeito…

O amor que por ti sinto

É sincera alegria

Calor no inverno cortante

Suor de corpos entrelaçados

Que se amam molhados

Nas ânsias de um pequeno instante

É nesses orgasmos prometidos

Em súplicas de mais e gritos

De prazer que nos inunda

Que o meu corpo se afunda

Entrando no teu aflito

Contorcendo-se de prazer

No nosso impudico rito…

Mas o Amor que por ti sinto

Não é apenas carnal

É companheirismo e caminho

Apoio na dificuldade

Na depressão, na ansiedade

Nas agruras da nossa vida

Que já deu frutos maduros

Crescendo agora esses nossos orgulhos

Como os Amores da nossa vida…!!…

Poeta Miguel Silvestre

Loulé, 26/02/2023

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